Como podemos contribuir para diminuir o risco de uma nova onda de COVID-19 e manter nossa proteção individual e coletiva

O momento em que vivemos (dezembro de 2021) nos obriga a reavaliar, mais uma vez, o impacto desse flagelo devastador nas nossas vidas e em toda a sociedade: a pandemia de COVID -19. Há quase dois anos, nosso país teve a oportunidade ímpar de iniciar o preparo adequado e eficiente para o enfrentamento dessa grave doença, uma vez que um intervalo de aproximadamente dois meses e meio separou o início dessa epidemia em países da Ásia e Europa até que ocorressem os primeiros casos no Brasil.  Esse interregno permitiria aprender com os acertos das medidas empregadas nesses países, evitando seus erros e valorizando as medidas que se comprovaram eficazes para minimizar os efeitos deletérios desse mal, ainda não totalmente conhecido e sem um tratamento específico, especialmente as medidas protetivas voltadas para a redução da circulação do vírus: o distanciamento social, o controle rigoroso de fronteiras, higienização das mãos, o uso de máscaras, testagem em massa da população, identificação e isolamento dos casos e quarentena dos contatos.

Infelizmente, faltou uma coordenação centralizada e unificada que, com base na experiência internacional e nos princípios confirmados cientificamente, estimulasse a aplicação de medidas rigorosas e homogêneas que pudessem evitar a livre circulação do vírus, como acabou ocorrendo no Brasil. O resultado é conhecido: o Brasil tornou-se um dos países com maiores níveis de circulação e transmissibilidade do vírus, o que resultou em uma das maiores taxas de mortalidade dessa doença, entre as grandes nações, ultrapassando 615.000 vidas perdidas durante esse período, em duas ondas dessa grave pandemia.

Em que pese esse quadro trágico, com a disponibilização de ampla vacinação no Brasil, nos últimos dois meses, houve um arrefecimento da pandemia, com redução expressiva do número de novos casos, internações e óbitos, o que permitiu o retorno progressivo a atividades presenciais e reativação de grande parte das atividades econômicas e sociais. Entretanto, observamos, em vários países da Europa, nova reativação da pandemia, gerando, naqueles países, uma quarta onda associada, ao que parece relacionada predominantemente à variante delta, resultando em aumento de número de casos, internações e óbitos, o que acende um novo alerta em nosso meio. Além disso, uma nova variante do coronavírus (Ômicron) foi identificada na África do Sul, com mais de 50 mutações, sendo caracterizada pela Organização Mundial de Saúde como uma variante de preocupação, embora ainda pouco se conheça sobre seu potencial de gravidade.

Assim, embora estejamos vivendo o período mais tranquilo desde o início da pandemia, não podemos deixar de considerar essa nova oportunidade que nos é oferecida de, com base na experiência vivenciada por esses países da Europa, nos prepararmos adequadamente para tentar evitar nova agudização dessa grave doença. Esses elementos nos colocam frente a um dilema fundamental: devemos nos perguntar se abandonar ou liberar de modo irrestrito os cuidados conhecidos de proteção contra a disseminação do vírus não poderia colocar em risco as conquistas de retorno a uma vida “quase normal”, que estamos vivenciando hoje? O que podemos ou devemos, individualmente, continuar fazendo para seguir nos protegendo e para tentar evitar que essa nova onda, que está crescendo e preocupando toda a Europa, chegue ao Brasil?

Este documento propõe uma reflexão sobre os elementos cientificamente conhecidos e comprovados sobre formas de controle da transmissão do SARS-CoV-2 à luz do momento atual da pandemia que estamos enfrentando, analisando comparativamente os riscos e benefícios proporcionados por essas ações para a qualidade de vida e para a saúde da população. Nele se procura reportar as medidas protetivas reconhecidamente efetivas, destacando, especialmente, aquelas em que o risco envolvido é o maior possível, identificando essas situações de risco elevado com três asteriscos (***). Apesar de apontar essa gradação de risco máximo, não se pode, de modo algum, menosprezar ou desconsiderar a importância das demais medidas protetivas, às quais se pode atribuir nível significativo, mas menos elevado de risco.

O vírus SARS-CoV-2 e a pandemia

Fatos

  • Além do vírus SARS-CoV-2 originalmente identificado e disseminado a partir de Wuhan, na China, outras variantes (identificadas em outros locais) demonstraram impacto clínico: variante Alfa (Reino Unido), Gama (Manaus), Delta (Índia) e Ômicron (África do Sul);
  • No Brasil, a primeira onda da pandemia foi causada pela SARS-CoV-2 original e na segunda (mais prolongada e mais grave) foi predominante a variante Gama ou P1; atualmente a variante Delta é predominante, mas sem demonstrar, no Brasil, o mesmo grau de gravidade observado na Europa;
  • O SARS-CoV-2, como outros vírus respiratórios, é transmitido preponderantemente por contato direto, indireto ou próximo com pessoas infectadas através de saliva, secreções respiratórias ou de gotículas expelidas ao tossir, espirrar, falar ou cantar;
  • Partículas virais expelidas em secreções ou na saliva podem permanecer no ar por 40 minutos até pouco mais de duas horas, em ambientes sem ventilação adequada;
  • Uma pessoa não vacinada que esteja contaminada pode transmitir a Covid19 mesmo que assintomática, mas é importante destacar que uma pessoa com vacinação completa também pode se contaminar e ser um transmissor da doença;

Medidas higiênicas

Fatos

  • O álcool em gel (70%), além do seu efeito desinfetante e antisséptico, age na desnaturação proteica e lipídica do vírus;
  • O SARS-CoV-2 é um vírus de ácido ribonucleico (RNA) com uma carapaça lipídica (gordura), que pode ser facilmente destruída ao lavar as mãos com água e sabão;
  • O vírus pode permanecer viável por horas ou até poucos dias em diferentes superfícies, incluindo plásticos, aço inoxidável, papelão, cobre;

O que podemos continuar fazendo

  • Lavar as mãos com água e sabão, por pelo menos 20 segundos, ou utilizar álcool em gel nas mãos após manter contato com pessoas que não fazem parte do nosso convívio familiar mais próximo (***);
  • Evitar tocar em superfícies em que muitas pessoas têm contato ou manter essas superfícies limpas com desinfetantes (água sanitária), álcool em gel, álcool isopropílico ou saponáceo;
  • Quando espirrar ou tossir, cobrir o nariz e a boca com um lenço de papel ou com o braço dobrado (***);
  • Evitar tocar olhos, nariz e boca quando não estiver com as mãos limpas (***);
  • Higienizar com água sanitária, sabão ou detergente, pelos métodos recomendados, as frutas e verduras e, com álcool gel, as embalagens;
  • As roupas de uso habitual não necessitam de cuidados especiais nessa fase da pandemia;
  • Em restaurantes “self-service”, utilizar luva descartável ou higienizar as mãos com álcool em gel ao acessar o balcão com alimentos, pratos e talheres;

Distanciamento e isolamento social

Fatos

  • A transmissibilidade do vírus é tanto maior quanto maior a proximidade com pessoas contaminadas e quanto maior a aglomeração de pessoas em um menor espaço;
  • A adoção de medidas promotoras de isolamento social, demonstrou ser bastante eficaz na redução da taxa de transmissão do coronavírus, em muitos países;
  • No auge da primeira fase da pandemia, em estudo abrangendo 131 países, a eficácia do isolamento social, envolvendo ações que incluíram fechamento de escolas, fechamento de locais de trabalho, proibição de aglomerações, proibição de eventos públicos, limitações ou proibição a diferentes formas de transporte de pessoas e pedido de permanência em casa, foi capaz de reduzir a taxa de transmissão em mais de 50%;
  • Em Cingapura, a adoção combinada de quarentena (isolamento de indivíduos infectados e quarentena de seus familiares), fechamento imediato das escolas e distanciamento do local de trabalho (em que 50% da força de trabalho é incentivada a trabalhar em casa por duas semanas) foi a mais eficaz, reduzindo o número médio estimado de infecções em até 99,3%.
  • É recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma distância física de pelo menos um metro entre pessoas para evitar infecções, enquanto o Center for Disease Control and Prevention (CDC) americano recomenda manter uma distância física de pelo menos 1,8 metros entre pessoas;
  • Tão importante quanto o distanciamento é a ventilação dos ambientes, uma vez que ambientes pouco ventilados podem facilitar de maneira expressiva a transmissão do vírus;

O que podemos continuar fazendo

  • Quanto maior o distanciamento entre pessoas que não fazem parte do convívio familiar mais próximo, menor o risco de transmissão viral;
  • Evitar presença em eventos com aglomerações de muitas pessoas (carnaval, mega shows, eventos esportivos, comemorações com grande público), mesmo em ambientes abertos, principalmente se em tais eventos existirem participantes cantando ou gritando (***);
  • Procurar manter o distanciamento mínimo recomendado entre as pessoas em ambientes fechados como restaurantes, bares, outros estabelecimentos comerciais, no trabalho, mantendo atenção com o grau de ventilação do ambiente (***);
  • Mesmo em situação ao ar livre, prestar atenção ao grau de aglomeração entre as pessoas, procurando evitar grande proximidade com estranhos;
  • No transporte público, em que não é possível controlar esse distanciamento, não descuidar de outras medidas protetivas;
  • No convívio próximo com pessoas da família completamente vacinadas, não há justificativa para manter distanciamento físico;

Uso de máscaras

Fatos

  • A eficácia do uso de máscaras bem ajustadas ao rosto para evitar a transmissão da COVID-19 tem sido sistematicamente demonstrada de modo inquestionável;
  • Entre os tipos de máscaras mais disponíveis no mercado para uso da população em geral, as máscaras PFF2/N95 oferecem nível de filtração e eficácia mais elevado que todas as demais, sendo seguida de perto pelas máscaras cirúrgicas que também proporcionam níveis elevados de proteção, enquanto as máscaras de tecido de algodão ou tricoline, embora determinem menor proteção, melhoram esse desempenho quando produzidas com dupla camada de tecido;
  • Em locais de maior risco, associação de uma máscara cirúrgica e uma máscara de pano proporcionam nível muito elevado de proteção;
  • Não são adequadas máscaras que 1) não se ajustem adequadamente ao rosto e não cubram nariz e boca simultaneamente; 2) não bloqueiem a luz; 3) sejam feitas com uma única camada de tecido (pano ou cirúrgica); 4) sejam produzidas com materiais muito porosos ou que prejudiquem a respiração;

 

O que podemos continuar fazendo

  • Em terminais aeroviários ou rodoviários e durante viagens de ônibus intermunicipais ou viagens de avião manter o uso de máscaras durante todo o tempo, considerando máscaras com maior poder de proteção, isoladas ou associadas (***);
  • No transporte público, quando a aglomeração de pessoas é inevitável, utilizar máscaras com maior poder de proteção, isoladas ou associadas (***);
  • Na residência ou no carro, na presença apenas de pessoas do convívio familiar mais próximo plenamente vacinadas, não há necessidade de utilização de máscaras;
  • Em restaurantes e bares, manter o uso de máscaras enquanto não estiver se alimentando, considerando a utilização dos tipos de máscaras com maior poder de proteção, isoladas ou associadas (***);
  • Embora o uso de máscaras durante o exercício físico possa ser desconfortável, em ambientes fechados, como as academias, deve-se avaliar a ventilação do local e o grau de aglomeração de pessoas antes de decidir não usar máscaras nesse local (***), lembrando que elas aumentam sua proteção individual;
  • Em shoppings centers e estabelecimentos comerciais manter o uso de máscaras durante todo o tempo de permanência, procurando evitar, se possível, horários de maior aglomeração de pessoas e estabelecimentos que não utilizem adequadamente os protocolos protetivos preconizados (***);
  • Antes de decidir não usar máscaras ao realizar exercícios em locais abertos, deve-se verificar o grau de aglomeração de pessoas estranhas no local;
  • Embora seja mais prudente evitar a participação em eventos com aglomerações de muitas pessoas próximas, mesmo em ambientes abertos, especialmente quando existirem participantes cantando ou gritando, em caso de participação, não deixe de utilizar máscaras com maior poder de proteção, isoladas ou associadas (***);
  • Em áreas comuns e elevadores residenciais, manter o uso de máscaras durante todo o tempo e procurar utilizar o elevador, quando possível, apenas com membros da família de convívio próximo;
  • Em áreas comuns e elevadores de edifícios comerciais ou de instituições públicas, com grande circulação de pessoas, utilizar máscaras durante todo o tempo, procurando manter, sempre que possível, a distância mínima recomendada entre as pessoas (***);
  • Atentar sempre para o uso correto das máscaras, isto é, elas devem, sempre, cobrir completamente o nariz e a boca.

Vacinação

Fatos

  • Todos os dados científicos disponíveis demonstram de modo inequívoco que todas as vacinas aprovadas pela ANVISA utilizadas hoje no país proporcionam proteção muito elevada contra desenvolvimento de doença grave, internações e óbitos;
  • Nenhuma vacina é 100% efetiva para prevenir a doença em pessoas vacinadas, de modo que sempre haverá chance de uma pequena proporção de pessoas com a vacinação completa ficar doente, entretanto, os sintomas provavelmente serão leves ou ausentes nessas pessoas vacinadas.
  • Existe a possibilidade de ocorrência de casos graves em idosos e portadores de doenças crônicas. Portanto, aumentando a cobertura vacinal de nossa população estaremos contribuindo para a diminuição da transmissão do SARS-CoV-2 a estas pessoas, diminuindo assim o número de óbitos;
  • Até dezembro de 2021, a ANVISA concedeu autorização para aplicação, no Brasil, das vacinas da Pfizer/BioNTech (duas doses), da AstraZeneca/Oxford (duas doses), da Janssen (dose única) e da vacina Coronavac/Butantan (duas doses).
  • Os efeitos colaterais da administração de todas as vacinas disponíveis no Brasil são leves (dor no local da injeção, febre, dor no corpo, fadiga, dor de cabeça), desaparecem rapidamente em poucos dias e não representam risco significativo para a população ou motivo para preocupação, enquanto eventos adversos mais graves são extremamente raros;
  • Dados recentes indicam que após 5 a 6 meses da vacinação completa há uma perda do grau de proteção, o que justificou a recomendação de aplicar uma dose de reforço após esse período;
  • O sucesso da vacinação no Brasil, que, no momento, atingiu mais de 65% da população completamente vacinada, é reconhecido amplamente como a principal causa do arrefecimento da pandemia que estamos vivenciando;
  • Admite-se que o controle total dessa pandemia somente será conseguido quando houver vacinação da maior parte da população mundial, uma vez que, enquanto houver grande parcela de populações não vacinadas, haverá possibilidade de surgimento de novas variantes que poderão manter a circulação do vírus e a manifestação da doença;
  • É recomendada a vacinação de mulheres grávidas, após 12 semanas de gestação, ou puérperas sem comorbidades, preferencialmente com vacinas da Pfizer ou Coronavac;
  • A liberação para vacinação de crianças de 5 a 11 anos, com a vacina da Pfizer já ocorreu em vários países, em face da boa eficácia demonstrada nessa população, que tem demonstrado recentemente maior incidência da doença, inclusive com a variante Ômicron;

O que podemos continuar fazendo

  • Considerando a demonstrada eficácia de todas as vacinas autorizadas no país, todas as pessoas incluídas no Plano Nacional de Imunização devem se vacinar com as vacinas que estiverem disponíveis, no momento (***);
  • Não se deve deixar de completar a vacinação quando duas doses forem recomendadas, nem deixar de tomar a dose de reforço quando disponível (***);
  • Sempre há o temor de que novas variantes possam ser mais transmissíveis, determinem doença mais grave e escapem do controle vacinal, daí a importância de mantermos o uso das medidas protetivas;
  • Todos devem ficar atentos ao calendário e disponibilização das vacinas pelas autoridades de saúde municipais, estaduais e federais (***);
  • Uma pessoa com vacinação completa pode ser contaminada e transmitir a doença, mesmo que assintomática, o que torna fundamental manter todas as outras medidas protetivas recomendadas;

 

Àqueles que aderirem às recomendações elencadas acima, não é possível garantir que estejam completamente protegidos e totalmente imunes a uma infecção por uma das variantes do SARS-CoV-2, mas, com toda a certeza, estarão minimizando ao máximo o risco de se contaminar e contribuindo efetivamente para reduzir a circulação do vírus e o risco de uma nova reativação da doença. Certamente, essa é uma importante demonstração de cidadania e preocupação consigo, com sua família, com seus amigos e com a sociedade.

 

Ribeirão Preto, 13 de dezembro de 2021.

 

 

Benedito Carlos Maciel

Superintendente do HCFMRPUSP

Rui Alberto Ferriani

Diretor Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP

Antonio Pazin Filho

Diretor Deptº de Atenção à Saúde do HCFMRPUSP

Jorge Elias Júnior

Vice-Diretor Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP

Ricardo de Carvalho Cavalli

Diretor Executivo da FAEPA

Valdair Francisco Muglia

Diretor Científico da FAEPA

Benedito Antonio Lopes da Fonseca

Docente Deptº de Clínica Médica

Divisão de Moléstias Infecciosas

Gilberto Gambero Gaspar

Comissão Controle de Infecção Hospitalar  HCFMRPUSP

Fernando Belíssimo Rodrigues

Docente Deptº de Medicina Social

Vigilância Epidemiológica

Afonso Dinis Costa Passos

Docente Deptº de Medicina Social

Vigilância Epidemiológica

 

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